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Entrevista exclusiva: Carlos Miranda - O guru da música brasileira

  • Foto do escritor: Ana Júlia Tolentino
    Ana Júlia Tolentino
  • 4 de out. de 2016
  • 9 min de leitura

Carlos Eduardo Miranda, 54 anos, é um grande exemplo de produtor musical que buscou a música além dos estúdios. Formado em jornalismo e com o amor pela música desde criança, Miranda uniu o útil ao agradável e atua fortemente na cena musical brasileira desde os anos 1980. Lançou grandes bandas através do selo Banguela Records, Excelente Discos e se tornou “pioneiro” no Brasil ao criar a plataforma musical Trama Virtual. Tornou-se conhecido em rede nacional ao ser jurado em alguns programas de calouros do SBT, como o Ídolos, Qual é o Seu Talento e Astros. Com uma carreira peculiar – em destaque por ter sido crítico de filmes pornográficos – e com seu jeito irreverente que conquistou o Brasil, eis um produtor capaz de surpreender quem valoriza o rigor da música no cenário nacional.



O que difere entre fazer música e falar sobre música? Falar sobre música não precisa de muita coisa, além de propriedade e noção do que você quer expressar sobre, e sempre atento ao que o leitor busca. Já em questão de fazer música você precisa entregar algo a mais, que vem da alma e da sua prática. Como diz o ditado, “falar é fácil”, buscar fazer é sempre algo muito maior.



Miranda na época do Banguela. (Arquivo pessoal)

De que forma seu trabalho como jornalista na revista Bizz o fez tornar-se um crítico e especialista na área da música? Eu não acreditei em ser crítico ou especialista nisso, eu fiz aquilo porque era o que eu tinha para fazer, tenho paixão na música e estudei para trabalhar nisso. Sem contar que eu gostava da revista e acompanhava, porém, sempre tentei fazer com que as pessoas desconfiassem dos críticos. Acho que tem que conhecer a pessoa que está te falando e ouvi-la, não seguir o que ela argumenta como verdade absoluta.


E como surgiu o apelido “Guru do rock paulera”? Não lembro bem como surgiu, mas a razão era óbvia: nos anos 90, fazia pouco tempo que eu tinha chegado em São Paulo, eu era cabeludo, andava com roupas rasgadas e gostava de som muito pesado, assim como meus amigos também eram ligados nisso. E como naquela época a produção musical de rock pesado era quase nula, eu me associei nisso, logo acabei trabalhando em uma sequência de discos desse estilo e com um monte de artistas nessa área.



Como era para você ver algumas bandas independentes lançadas tanto pelo Banguela quanto pelo Excelente se consolidando no mainstream naquela época? Foi uma realização pessoal, porque meu sonho era exatamente mostrar que a cena alternativa tinha grande potencial, muita gente se sentia representada por aquilo e não tinha acesso, e logo mostrar ao mainstream que podia ser mais do que se estava vendo ali. Era um momento de crise para o pop no mainstream e essas bandas vieram trazer um "vento novo", sacudindo legal.


Sabemos bem que uma das principais vias que fomentam a cena independente na internet são as plataformas musicais, logo não podemos deixar de citar a “pioneira” Trama Virtual. Como sucedeu a importância desse site para as bandas? Eu me sinto muito honrado de ter tido a oportunidade de desenvolver junto com uma equipe maravilhosa a Trama Virtual, já que sempre foi um sonho antigo e eu vivia enchendo o saco lá na Trama, onde eu tinha o selo. Eu queria fazer algo para internet, algo que abraçasse os artistas, que fosse de uma maneira que eu enxergava. Já existia algumas plataformas lá fora, como o Garage Band, só que todas eram muito impessoais, e sempre busquei algo muito pessoal, dedicado às pessoas que estavam na rua, que viam os artistas e que ouviam tudo o que estava pela cidade, então todo o catálogo da Trama são bandas que a gente ouviu, viveu e participou, fomos aos shows, e isso fez muita diferença. Eu vejo hoje que ajudou muitos artistas a crescerem, a começar pelo Cansei de Ser Sexy que foram lançados por nós, o NX Zero e a Fresno que foram bandas que acrescentaram muito e se propagaram ali, por consequência também ajudaram a Trama Virtual a evoluir, foi uma “via de mão dupla”. E são coisas assim que me dão muito orgulho, foi importante para uma geração.


Qual foi o legado deixado da plataforma para sua vida profissional? Foi algo muito mais pessoal que profissional. Dar oportunidade para tanta gente e a experiência que até hoje fica na minha cabeça, com novas possibilidades e maneiras de se pensar isso e poder disseminar isso como uma forma de propagar coisas boas para quem é amante da música é uma recompensa inestimável para mim.


O que foi deixado (tanto bom quanto ruim) com o fim do site? Nas circunstâncias em que a Trama surgiu, ela foi pioneira no quesito das plataformas e deixou um legado ‘do caralho’ no cenário musical nacional, já que tinha um material disponível de mais de 70 mil bandas, e propriamente para as bandas também, porque o site surgiu num momento onde não tinha grandes alternativas para a divulgação. Já de ruim, o fim por si só, até então a gente concorria com grandes plataformas para as bandas divulgarem seus trabalhos, mas encerramos com dignidade. Não digo que eu não apareça um dia com algum tipo de plataforma de novo como a Trama, ou que tenha alguma relação com o que eu aprendi lá, isso está sempre vivo em mim.


Já no âmbito do programa de calouros, qual foi a maior consequência na tua vida profissional por trabalhar na TV e se deparar “reconhecido pelo público”? A TV é uma coisa diferente, eu considero isso isolado do meu trabalho com a música. Foi um trabalho que a maior gratificação era ver a felicidade de pessoas muito simples e humildes, pois sei o quanto essas pessoas têm uma vida puxada, sem tanta emoção no cotidiano delas, e fico realizado de ver que em alguns momentos eu trouxe um pouco de alegria para eles. E quando me veem na rua, me dão abraços, tiram foto comigo, eu tento ser o mais receptivo possível, tenho todo o prazer de oferecer um pouquinho mais que eu puder quando me encontram por aí.


Como era a sua dinamização com os jurados em relação aos critérios de avaliação do Ídolos, Qual o seu talento e Astros? Por ser um programa de TV, o intuito sempre é entreter, fazer as pessoas se divertirem, não tem critério de fato. Eu sempre tive autonomia, sempre fui do meu jeito, livre e louco, nunca segui regra de nada, nunca usei ponto eletrônico, e os outros jurados também eram da mesma forma, buscávamos sempre trazer um conteúdo bom de acordo com a temática do programa. Então, a gente vê que essa coisa de critério tem de ser sempre avaliado e visto como um distanciamento, com olhos de nunca como a verdade absoluta, é só uma opinião.


Dentre essas avaliações, qual foi o erro mais grave que você já cometeu? Dava tudo na mesma, nem importava de fato o que eu achei, mas sinto que nunca errei, sempre fui sensato com as audições. Um exemplo claro desses foi quando a Thaeme se apresentou, na segunda temporada do Ídolos, eu falei para ela que eu não sabia se deveria passar ou não porque ela seria uma ‘chinchila no meio dos leões', e ela ganhou. E hoje ela é a artista mais conhecida que passou por esses programas, que agora faz parte da dupla Thaeme e Thiago.


Dois dos três programas que você participou eram voltados somente para a música. Teve algum momento em que você sentiu que mudou parte da sua percepção sobre música? Não, na verdade eu ouvi muita coisa ruim que nunca queria ter escutado. Ouvi muita gente sem talento nenhum, achando que era o rei da cocada preta. Era um inferno quando você ouvia uma galera cantando Whitney Houston, Mariah Carey e outras músicas que exigem muito da voz e não cantavam nada, era bem chato.


Os programas de calouros que estão no ar nos últimos três anos têm mais “impacto” musicalmente do que os que estavam no ar dez anos atrás? O impacto é o mesmo, já que qualquer programa de TV é feito apenas para entretenimento. Contudo, é mais uma oportunidade para as bandas, mas é tão fabricado. Por exemplo, a Malta, que ganhou a primeira edição do Superstar, ninguém sabe mais deles, não faz tanto sucesso assim, lançou um hit de novela e só. Mas se já é uma banda consolidada no cenário, mesmo que seja underground, como no caso da Scalene, o programa só ajuda a ficarem mais conhecidos. A música vem das pessoas e da força de vontade delas, e o mesmo vale para quem acompanha o cenário musical. Programa de TV pode ajudar ou pode não fazer diferença nenhuma, só não pode se iludir achando que isso vai mudar a vida.


Como um produtor que tem uma visão que busca sempre o que é novo, “o que pode estourar”, que aspecto você atribui ao que parece ser novidade? Eu busco não exatamente o novo, mas busco aquilo que tem alma, que tem algo a dizer, que me instiga. Falar de novidade hoje em dia é uma coisa muito relativa porque a música é toda feita de repetição, de cópias. Mas mesmo assim eu tento coisas que desafiam os padrões ou que sejam muito bem-feitas. Eu não sei de fato como definir o novo, já que parte muito do ponto de vista de alguém, já que tudo nem sempre é realmente novo ou quer dizer que seja algo bom. Geralmente pode ser muito inovador, mas um pé no saco.


Nessa “parceria” que você teve com o pessoal do Titãs através do selo Banguela Records, como você vê a contribuição desse selo no cenário musical brasileiro? Acho que foi muito importante naquele momento e deixou um legado de que dá para acreditar em si, sem grandes recursos, ser corajoso e meter a cara. Até o filme, o "Sem Dentes", mostra muito isso, que tem que ser doido, saber arriscar e não ter medo das coisas, é isso que faz ser maior, ao representar de fato aquela época na música brasileira.


Como você interpreta a expressão “O Brasil nunca foi tão rock’n’roll”, sobre a época de 1994? É um ponto de vista, já que eu nunca consegui julgar isso, mas eu posso dizer que o rock nunca foi tão brasileiro, já que eles estão dizendo o contrário só para causar efeito. Aquilo é o rock com uma cara muito brasileira, como teve nos anos 70, na era do Tropicalismo, com Alceu Valença, Novos Baianos, que eram voltados para a vertente do rock. E já nos anos 90, acontece a mesma coisa, porém em outra proporção, com o Manguebeat, com Raimundos e outras bandas. Contudo, tinha outras bandas também que imitavam as de fora, como sempre teve.


Em meio a um cenário “eclético”, como as bandas de rock independente do cenário atual têm buscado sua representatividade ou visibilidade? Antes existia filtros muito apertados, que eram o estúdio, a gravadora, a TV, a rádio. E hoje não é tão limitado assim, o filtro é mais você mesmo, teu poder de realização, então acho que hoje o cenário está mais na mão do próprio artista, até mesmo o acesso à tecnologia e a variedade de material são muito maiores agora, e a tendência de as bandas buscarem sua visibilidade é cada vez mais acessível e crescente. E a cena tem crescido cada vez mais, bandas fazem parcerias umas com as outras o tempo todo, como no caso da Scalene, Supercombo e Far From Alaska. A galera tem investido pesado nisso, não só as bandas, mas muitas produtoras e festivais que tem o intuito de fomentar essa cena, como no caso do Móveis Convida e o Festival DoSol.


Tem uma frase sua que diz: “Tudo sempre dá certo, neguinho que não nota”. Essa frase pode ser destacada em relação ao cenário do rock não ter tanta visibilidade televisiva quanto os outros estilos? Sim, com certeza! Mas já teve, quando o rock foi moda, nos anos 80, por exemplo, tinha muita visibilidade televisiva, todas as bandas de rock estavam na TV. Inclusive na MTV, que foi a "casa do rock" durante muito tempo, logo os outros gêneros ficaram em segundo plano. Hoje é a vez do R&B, sertanejo e derivados em primeiro plano. A ideia é que cada tempo que tem sua expressão, e a de hoje com certeza não é o rock.


Com tanta transformação musical nos últimos 20 anos, você vê as bandas de rock que hoje fomentam o cenário nacional tornando-se clássicas? Eu acho que tem novos clássicos em andamento, vários artistas que vão ficar para sempre, eu tenho certeza disso, mas definir quais são é difícil agora, porque tudo acontece dependendo dos caminhos que as coisas tomarem, mas eu vejo que, enquanto as coisas estão com muito frescor, eu acho até ofensivo chamar de clássico, mas novos clássicos estão se configurando sim.


Como está e como vai ser o futuro do cenário do rock brasileiro? Eu nunca penso na música como "rock brasileiro", eu acho isso um termo muito restritivo, mas eu penso na música brasileira mesmo como um todo. Nos anos 70, por exemplo, a gente chamava o Kraftwerk de rock eletrônico, pois até então era rock para gente, assim como Alceu e Novos Baianos eram. Hoje, em meio a tantas subdivisões, já não é mais rock, Kraftwerk é o pai da música eletrônica, ninguém mais associa ao rock. Isso é tudo visão de época, eu acho que é uma questão relativa. Por isso me trato da música brasileira, que é uma música rica, bastante variada, que tem muito a ser explorado e ser apresentado ao mundo.


Muitos “dinossauros do rock” argumentam que o rock está morto ou chegando ao fim. Para o Miranda, o rock está morto? Confesso que sou um dos que falam que o rock está morto, por que se o roqueiro fala que o rock é como uma tradição, que precisa ser honrada, ele morreu. O rock não foi feito para ter tradição, nasceu para revolucionar. Então a lógica é basicamente essa: morreu! E mesmo vale para o rock brasileiro: o espírito que tinha no rock - transgressivo, sexual, drogado, perigoso - está no funk. O rock atualmente é música de pai de família, virou música de "véio broxa". Lógico que tem um monte de banda boa, é óbvio, e espero que tenha cada vez mais, até mesmo para todos os gêneros, mas o rock é música de véio. Eu sou um deles!

Salve, Miranda!

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